"Nenhum ser humano é capaz de esconder um segredo. Se a boca se cala, falam as pontas dos dedos..."(Freud)

sexta-feira, 20 de abril de 2007

Distração

Ela sentada, sentindo aquela sensação que só sente quem precisa de palavras pra se sentir pleno, especialmente em noites de domingo ou feriado. Sentada na poltrona (a cadeira é incômoda), com o teclado entre seus joelhos e calada, com os fones de ouvido em um volume suficientemente alto para retirar sua atenção do que quer que seja, além do computador e de si mesma. Fica parada, esperando, até que a conexão consigo mesma seja suficiente para desafiar a inércia e pôr-se a escrever palavras vindas de algum lugar entre ela e ela mesma...
O que é que a atormenta para que sua alma lhe exija um texto? Novamente sua própria insuficiência, que, com o passar do tempo, se revela de formas cada vez mais diversas e abrangentes. põe-se a “falar” com quem poderá escutá-la, mesmo sem saber exatamente quem e quantas pessoas serão. Fala diretamente a eles, com a intimidade pertinente de quem confidencia um de seus momentos de maior intimidade e conexão interna, coisa que só assim lhe é possível que se faça.
Ela então, chega ao ponto crucial, que determinará se o texto seguirá até o seu fim (publicação) ou se será apenas mais um rabisco em seu arquivo de fichas de textos: o assunto. Se o assunto escolhido (às vezes nesta mesma hora, às vezes dias antes) não lhe der possibilidades de um final definitivo, ou então lhe der excessiva margem para assuntos extremamente interiores, que não deveriam ser tão cruamente explicitados, acabará por tornar-se um texto completo, com arquivo próprio, mas sem coragem ou intenção de ser publicado.
Começa a pensar e, pensando acaba por perceber que, infatti, não quer discorrer sobre assunto algum, não quer manifestar sua opinião, quer apenas companhia. Não há nenhum assunto específico que queira explicitar, nenhum sentimento em especial para quebrar com palavras. Quer apenas cumprir o ritual que tanto a agrada, e então passa a observar-se para descobrir o que de si deseja mostrar, como uma espécie de distração que a fará desconcentrar-se para novamente concentrar-se em si. Olha ao seu redor, mas mantêm os olhos fechados, e o que vê? O computador, seu ‘diário’ de momentos interiores, seu confidente ocasional... Vê que o principal para que o texto “aconteça” ali está: ela, sentada, sentindo aquela sensação que só sente quem precisa de palavras pra se sentir pleno, especialmente em noites de domingo ou feriado... Ora, o assunto é secundário, basta um pouco de distração.