"Nenhum ser humano é capaz de esconder um segredo. Se a boca se cala, falam as pontas dos dedos..."(Freud)

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

O dia, a vida, a leitura


   Como explicar o que a leitura provocava nela? Era como se, enquanto ela não houvesse, a vida ficasse forçada a um stand by, como se nada do que fosse vivido pudesse ter um sentido, como se as coisas ficassem privadas de seu significado enquanto não pudessem se valer das palavras alheias para descrever sentimentos. E era assim: bastava ler pra se sentir movida, mexida, agitada. Compelida a fazer da vida qualquer coisa de diferente do que estava fazendo agora. 
    E seguia o dia, seguia a vida e também a leitura. Ela lendo e se sentindo obsoleta, perdida num tempo e num lugar onde ja não lhe era permitido existir com a plenitude que lhe era habitual, dividida entre a leitura e o desejo da escrita, entre a passividade exterior com que se aceitam as palavras de outros e o turbilhão interior por elas desencadeado. Queria viver, raios, queria a libertação de tudo o que a prendia e a forçava a uma existência inerme, parada e presa, suficientemente longe de tudo o que era seu, a ponto de não poder alcançá-lo, e dolorosamente perto, a ponto de cada movimento do dia mostrar-lhe as cores que ela havia perdido. 
    E havia o desejo, a necessidade de sentir, de tocar, de viver tudo aquilo que desfilava em letras diante de seus olhos. A sensação era de que haviam agulhas que, a cada compasso, a cada parágrafo, se enterravam mais e mais fundo em sua alma, como se um dançarino apaixonado por sua arte fosse obrigado a bailar sobre brasas. Sentia falta, sem saber de quem ou de quê, exatamente. Pensou em sentir falta de um amor seu, de um amigo, de um tempo. Mas era bobagem: o que sentia era falta de si mesma.