Desde quase sempre, entendo que a necessidade de expressão é algo inerente ao ser humano. Me lembro de ter tido essa consciência por conta da minha inaptidão para o desenho, quando criança. Eu sentia que havia alguma coisa na minha alma, algo bonito, que eu queria desenhar pra poder mostrar como era. Era algo entre a alegria e o colorido, era uma coisa sem nome que eu queria a todo custo trazer pra fora, pro mundo. Então, eu pegava meus lápis todos, os mais bonitos e coloridos, e tentava derramar sobre o papel, em forma de rabiscos, aquilo que dentro da minha cabeça era o desenho mais lindo do mundo: e nada. Saía igual a todos os meus outros desenhos de criança, comuns, normais e sem nada a dizer, (exceto a urgência de um curso de desenho). A decepção era indescritível. Tentei mais algumas vezes, inspirada por um belo pôr-do-sol, ou pela descoberta de novos tipos de flor, mas o que estava na minha cabeça sempre era infinitamente distante do que eu conseguia colocar no papel, a despeito de toda a minha vontade e esforços.
E então eu descobri esse vazio, que me deixava frustrada e triste. De início, eu não o entendia bem, apenas sentia. Irritada, me obrigava a ir achar outra coisa para fazer, e geralmente encontrava algum aconchego nos livros, que me mergulhavam em outro mundo e me distraíam desse sentimento chato que me era ainda pior por suceder um sentimento tão gostoso (o da vontade de expressar alguma coisa bela).
Como criança hiperativa, aprendi a ler e escrever desde cedo, por as pessoas simplesmente não saberem mais o que fazer pra me distrair. Então, encontrava na leitura mundos novos, cenários grandiosos, histórias que eu não conseguiria imaginar sozinha. Quando todas as outras brincadeiras do dia (e eram muitas, meus dias tinham mais horas do que o das crianças que dormem bastante) me cansavam, eu recorria ao que se tornou uma das minhas atividades favoritas: ler.
No início de cada ano letivo as escolas públicas distribuíam os livros didáticos. Eles eram minha diversão por uma semana toda: eu os lia e relia diversas vezes (quase todos eles, só torcia o nariz para os de história, de narrativa geralmente pesada e que eu considerava "chatos"). E foi assim que, num acaso, descobri o mundo da poesia, através de um poema de Cecília Meireles, chamado "Lua Adversa". Da primeira vez que o li, achei um desperdício de texto (juro). Explico: a cada capítulo do livro, vinha um texto novo, com as questões para interpretação em seguida. Eu ignorava solenemente as questões, queria era ler os textos, todos, do início ao fim do livro. E encontrar um poema me pareceu tão absurdo: poucas palavras, um enredo desconexo, e com rimas! A mim parecia que aquele "texto" não fazia sentido algum, não contava história nenhuma, e que as rimas, no final das contas, prestavam um desserviço ao sentido da história. Até que, em um dia qualquer, reli o poema, por reler. E foi aí que a mágica da poesia se deu: eu entendi, de uma forma inesperada e quase mística, o significado (um deles) que aquele poema continha. Era como se eu tivesse aprendido uma nova língua, como se de repente as palavras passassem a ter um sentido e, mais que isto: um sentimento. O que aquele texto me dizia era cheio de cor, de imagens, com uma ideia clara e definida. Eu praticamente podia enxergar um cenário, um personagem, uma situação, mesmo que ela não estivesse descrita. Eu sentia algo que só com aquele poema eu sentia. No momento em que o li e entendi pela primeira vez, foi como se eu houvesse tirado uma fotografia da minha alma, como se houvesse capturado pra sempre uma série de sentimentos e sensações, que poderiam ser facilmente revisitados ao ler aquele poema.
E, até hoje, é isto que poesia representa pra mim: retratos de coisas que não se vêem, recipientes mágicos, feitos de letras, que guardam momentos e sensações. E não somente os guardam, mas os compartilham e permitem que seus autores permaneçam vivos no mundo, com tudo o que viveram, amaram e retrataram.
sexta-feira, 28 de outubro de 2011
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