"Nenhum ser humano é capaz de esconder um segredo. Se a boca se cala, falam as pontas dos dedos..."(Freud)

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Escritor de mentira

Eu não saberia ser uma escritora. E por escritor, entendo alguém que é capaz de escrever "de fato", não apenas por mero conhecimento da língua e posse da capacidade de digitar. Escritor é aquele que domina as palavras, que consegue o feito de escrever um livro todo, e expressar pensamentos complexos para além de si mesmo ou, ao menos, escrever com certa regularidade. Ele é capaz de escrever porque precisa, porque tem prazos a cumprir, textos e livros a serem publicados. Vive do que consumimos, do que buscamos e avidamente devoramos, com os olhos e a alma. Nenhum destes é meu caso. 

Escritores, na maioria das vezes, precisam escrever sobre aquilo que deles se espera. Precisam dominar seus sentimentos e distorcer a própria realidade pra entregar aquilo que buscamos. O escritor carrega dentro de si a alma de criança, que brinca livremente por mundos que só existem em sua cabeça, e os torna tão reais que é capaz de compartilhá-los facilmente com quem estiver próximo. Precisam inventar mundos, verdades, mitos. Escrever requer uma distorção da própria realidade e sentidos que só mesmo quem tem uma certa aptidão para a fantasia consegue. Mesmo os autores do cotidiano, aqueles que nos falam sobre o dia a dia e sobre nós mesmos, precisam sair de si para poder escrever de verdade. Precisam ter, no mínimo, a capacidade de se apossar de histórias alheias e de jogá-las com propriedade no papel (hoje em dia também conhecido como "tela do computador"). Ninguém conseguiria falar sobre si e suas vivências o tempo todo, ninguém tem histórias suficientes e, os poucos que as tem, raramente passam tanto tempo sentados, lendo (que é como se aprende a escrever) ou escrevendo. 

Creio que a escrita requer uma certa predisposição para a falsidade, para a criação de mundos e de mitos, para a existência em lugares que não existem. Escrever muitas vezes é mentir. Decidir viver da escrita é estar pronto para as mentiras, mesmo que veladas, a que esta nos obriga: escrever sobre alegria com a alma cansada, sobre tristeza com um sorriso nos lábios, escrever sobre o silêncio quando as palavras gritam tão alto que saltam para o papel e, muitas vezes, escrever sobre amor com o coração partido.  

A grande maioria dos bons escritores é de escritores de mentiras. Eles conseguem mentir para si mesmos enquanto produzem algo completamente distante daquilo que trazem na alma - e eu só poderia traçar um paralelo com um hipopótamo que acredita piamente ter gerado uma arara. Alguns acabam por mentir com tamanha convicção, que chegam a crer que o texto é mesmo seu. 

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