"Nenhum ser humano é capaz de esconder um segredo. Se a boca se cala, falam as pontas dos dedos..."(Freud)

terça-feira, 13 de setembro de 2005

Ela acorda e abre os olhos...

...não sem antes pensar que nada neste dia o fará ser diferente de todos os outros. Não sente vontade alguma de levantar da cama, ainda mais sem motivo algum para ser e existir, no que ela costuma chamar de “selva”.
Ela é morena, razoavelmente alta e dona de olhos castanhos, cuja cor, apesar de comum, esconde algo que ela tenta decifrar diariamente em frente ao espelho, numa constante busca por algo que a torne diferente a seus próprios olhos. Não acredita quando outros dizem que é bonita, mas ainda assim não desiste de observar o espelho, na procura por sabe-se-lá-o-quê...
Levanta para lavar o rosto, e, mesmo quando sem fome, dirigir-se à cozinha para tomar café da manhã. Detesta rotinas, mas vive presa a elas; mesmo quando se vê livre, acaba inconscientemente tentando repeti-las, talvez por serem tudo que resta do tempo em que sorria livremente.
-Ótimo, quem está aí? – pergunta ela ao deparar-se com a porta do banheiro trancada, irritada sem saber o porquê. O motivo da irritação é simples: uma mínima quebra da teia que envolve seu dia e rege sua vida são capazes de desencadear uma reação exageradamente ríspida e mal-humorada, capaz de estender-se o dia todo. Ela é bastante conhecida por seu mau humor e inconstância, porém, recusa-se a admitir isto para si mesma. Absolutamente normal...
-Já estou saindo! –responde a voz do lado de dentro do banheiro. – Acordou para fora da coberta, foi?
Ela não responde, simplesmente ignora aquela pequena quebra do seu ritmo diário, e tenta prosseguir livremente seu dia, como se nada houvesse ocorrido.
Ela lê enquanto toma café, e quase sempre passa do horário pré-determinado para vestir-se e sair, mas quase nunca se atrasa. Levanta-se vagarosamente, como se isso pudesse retardar seu ingresso na “corrida de ratos” (leia-se: trabalho).
Ela abre a porta, sente o vento frio em seu nariz e volta para pegar um casaco. Ela está de calça preta esportiva, tênis e jaqueta de moletom, e seu casaco não tem absolutamente nada a ver com sua roupa, mas e daí? Ela já não tem mais vontade alguma de vestir-se bem e chamar atenção, como antes gostava de fazer, do contrário: quanto menos gente notar sua presença por onde ela passar, melhor ela se sentirá.
Também no ônibus ela lê, pois ainda não inventaram melhor fuga da realidade (excetuando-se, obviamente, o sono), e isso é tudo o que ela necessita para proteger-se.
E assim segue seu dia, de preferência sem quebras e sobressaltos, pois depois da aula ela ainda precisa voltar para casa e ter forças para ir deitar-se sem pensar em como começará o dia amanhã, pois, como o dia anterior, nada o diferenciará de todos os outros...(será?...)

Nenhum comentário: